quinta-feira, 20 de maio de 2021

Delegado pede e juiz manda prender quem anunciou protesto contra o governador, em Tucuruí

 


A cidade de Tucuruí amanheceu agitada. Ou melhor, pegando fogo político. Tudo em razão da visita, hoje, do governador Helder Barbalho, que deve inaugurar obras nos setores de segurança e infraestrutura no município. Como no mundo político não existe unanimidade, alguns munícipes – identificados como Simião Nogueira de Moraes, Josicleison do Nascimento Silva e Herlen Ulisses Batista Garcia – estariam programando manifestação de protesto contra o governador.

De bate pronto, o delegado local, Rommel Felipe de Souza, não pensou duas vezes e pediu à Justiça a prisão do trio, no que foi prontamente atendido pelo juiz da comarca, Enrico de Oliveira.

Segundo o delegado, “a inteligência da Polícia Civil identificou associação criminosa que tem praticado diversos crimes contra a honra do governador e de outras autoridades públicas que participarão do evento, apontando para a provável ocorrência de confrontos entre os representados e os populares que ali estarão presentes”.

A argumentação do delegado ainda sustenta que os “representados estão se organizando para praticar novos crimes contra a honra e a integridade física das pessoas que participarão ativamente das solenidades por meio de arremesso de ovos”.

O juiz Pedro Enrico de Oliveira concordou com o delegado e enfatiza num trecho em que decreta a prisão preventiva: “O presente caso requer pronta resposta do Estado, por meio do Poder Judiciário, pois se trata do resguardo da segurança pública e da proteção das pessoas que participarão de solenidades públicas previstas para o dia 20 de Maio de 2021, neste Município de Tucuruí, pois as provas acostadas aos autos são verossímeis o bastante para sustentar a existência certa do fumus comissi delicti, restando caracterizado o periculum libertatis dos representados. Satisfeitas, pois, as condições processuais para a tomada de decisão de natureza constritiva”.

E mais: “O mundo pós-contemporâneo, este império da pós-verdade, tornou-se o mundo dos ódios. Cada manifestação, cada palavra proferida em redes sociais deve ser pensada e pesada, pois é gigantesco o potencial de gerar convulsões públicas e danos reais à sociedade. As polarizações criadas no domínio internacional também são refletidas em menor escala, descendo ao âmbito de um pequeno Município no interior do Estado do Pará. O cuidado mútuo (care) é um valor crescente no espectro político internacional e se manifesta em um dever cogente, ou seja, é imposto a todas as pessoas. Não se trata de um mero plano de lançar ovos na direção de um Governador de Estado ou de mera expressão de opinião política; trata-se de evitar convulsões entre pessoas reunidas em ato público e com grande risco de desordens e tumultos que possam gerar lesões corporais e, inclusive, mortes”.

Essa moda do delegado de restringir manifestações de pensamento consagradas pela democracia e do juiz em acatá-las pegar pelo pais afora….

Veja a íntegra da decisão judicial:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ

Vara Criminal de Tucuruí

PROCESSO: 0801715-59.2021.8.14.0061

Nome: DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL DE TUCURUI

Endereço: Rua Trinta e Um de Março, S/N, Santa Isabel, TUCURUí – PA – CEP: 68456-110

Nome: SIMIAO NOGUEIRA DE MORAES

Endereço: Rua D, 440, Jardim Paraíso, TUCURUí – PA – CEP: 68458-120

Nome: JOSICLEISON DO NASCIMENTO SILVA

Endereço: Travessa Raimundo Ribeiro de Souza, 01, Santa Isabel, TUCURUí – PA – CEP: 68456-180

Nome: HERLEN ULISSES BATISTA GARCIA

Endereço: Rua Jacinto Ramos, 588, Matinha, TUCURUí – PA – CEP: 68458-570

ID:

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.

O Delegado de Polícia Civil Dr. Rommel Felipe Oliveira de Souza, Superintendente

Regional do Lago de Tucuruí, representou pelas prisões preventivas de SIMIÃO NOGUEIRA DE MORAES, JOSICLEISON DO NASCIMENTO SILVA e HERLEN ULISSES BATISTA GARCIA, sustentando, em síntese, que: No dia de amanhã, 20 de Maio de 2021, ocorrerão atos de natureza político institucional em diversos locais da cidade, promovidos pelo Município de Tucuruí em parceria com o Governo do Estado do Pará; Tais atos produzirão efeitos benéficos para a comunidade, nos setores de infraestrutura e de segurança pública; Os eventos serão acompanhados pela população em geral e contarão com a presença de diversas autoridades públicas, tais como Prefeitos Municipais de Municípios vizinhos e do Governador do Estado do Pará, o senhor Helder Zahluth Barbalho;

Na esteira de tais eventos, a atuação de inteligência da Polícia Civil identificou associação criminosa que tem praticado diversos crimes contra a honra do Governador do Estado do Pará e de outras autoridades públicas que participarão do evento, apontando para a provável ocorrência de confrontos entre os representados e os populares que ali estarão presentes; Os representados estão se organizando para praticar novos crimes contra a honra e contra a integridade física das pessoas que participarão ativamente das solenidades, por meio de arremesso de ovos.

O Delegado de Polícia Civil representante sustenta em suas razões que o pedido formulado não trata de tolhimento ao direito de liberdade de expressão ou de livre associação, mas de resguardo à ordem pública. Fundamenta as suas razões e comprova os fatos pela juntada de diversos áudios e transcrições de áudios que circularam em aplicativos de conversas instantâneas e redes sociais, o que tem provocado a desestabilidade da ordem pública e o risco de cancelamento das solenidades, violando o direito constitucional dos demais cidadãos de se reunirem pacificamente para eventos públicos.

Fundado em tais episódios, postula pela prisão preventiva dos representados, argumentando, finalmente, que o ato constritivo é necessário para a manutenção da ordem pública. Ao tempo em que formula tal pleito, indicia-os formalmente pela prática dos crimes de constrangimento ilegal e de associação criminosa, ambos previstos, respectivamente, nos artigos 146 e 288, do Código Penal. Considerando a urgência que a hipótese vertente demanda e os riscos de danos que podem ser gerados ante a demora da prestação jurisdicional, deixo de remeter os autos ao Ministério Público para manifestação.

Decido.

O presente feito trata do indiciamento formal de SIMIÃO NOGUEIRA DE MORAES, JOSICLEISON DO NASCIMENTO SILVA e HERLEN ULISSES BATISTA GARCIA, pelas práticas dos crimes de constrangimento ilegal e de associação criminosa (artigos 146 e 288, do Código Penal), com a consequente representação por suas prisões preventivas, como medida necessária para o resguardo da ordem pública.

No que importa às provas acostadas aos autos, os áudios e as suas respectivas transcrições constantes dos eventos ID 27001499, ID 27001500, ID 27001503, ID 27001504, ID 27001505 e ID 27001509 não indicam de forma substancial a prática de condutas típicas; retratam tão somente a emissão de opiniões de natureza política, meras críticas ao Governador do Estado do Pará, pessoa pública e sujeita a tais opiniões negativas, com o uso de vocábulos característicos e jocosos, nada havendo a se considerar negativamente.

Contudo, ao analisar as provas constantes dos eventos ID 27001501, ID 27001502, ID 27001506 e ID 27001507, denoto existir a associação dos representados para a prática de crimes nas solenidades informadas pela Autoridade Policial representante, o que pode gerar, notoriamente, o desassossego da paz e da ordem públicas, sendo ainda possível prever que, de tais condutas ora planejadas, danos mais graves possam resultar para a população presente e para as demais autoridades públicas que do evento tomarão parte.

Despiciendo, neste instante processual, analisar o indiciamento formal pela prática do crime de constrangimento ilegal, todavia, no que importa ao indiciamento formal pela prática do crime de associação criminosa, este é substancial para a prolação de decisão que culmine na prisão preventiva dos representados. Assim, acerca deste, o Direito Penal já pacificou o entendimento doutrinário e jurisprudencial para classificá-lo como crime formal, ou seja, não é necessária a ocorrência de um resultado naturalístico para a consumação do crime de associação criminosa, embora este, o resultado que provoca alteração no mundo exterior, seja possível. Diz-se, aqui, apenas em resultado jurídico.

Ademais, o crime previsto no artigo 288, do Código Penal, é de perigo abstrato, não sendo necessária a prova de que houve perigo de dano concreto ao bem jurídico, senão a mera previsão legal da presunção do perigo. Ora, se o legislador fez nascer no ordenamento jurídico o crime de associação criminosa, com as características dogmáticas que lhes são inerentes, por óbvio, possuía o firme propósito de se adiantar à ocorrência do resultado material almejado pelos agentes e de resguardar a incolumidade pública, por meio da proteção do bem jurídico.

Nesta senda, é absolutamente razoável a decretação de custódia preventiva para a hipótese de os agentes associados estarem a planejar, comprovadamente, a prática de crimes, pois não produziria efeitos pragmáticos a aplicação do Direito Penal e do Direito Processual Penal após a produção dos efeitos esperados pelos agentes. O ordenamento jurídico se apresentaria inócuo, inofensivo, ineficaz e desprovido de força; a teoria da proteção do bem jurídico, na forma postulada por Birnbaum no século XIX, não possuiria o caráter dogmático que deveras possui.

O presente caso requer pronta resposta do Estado, por meio do Poder Judiciário, pois se trata do resguardo da segurança pública e da proteção das pessoas que participarão de solenidades públicas previstas para o dia 20 de Maio de 2021, neste Município de Tucuruí, pois as provas acostadas aos autos são verossímeis o bastante para sustentar a existência certa do fumus comissi delicti, restando caracterizado o periculum libertatis dos representados. Satisfeitas, pois, as condições processuais para a tomada de decisão de natureza constritiva.

O mundo pós-contemporâneo, este império da pós-verdade, tornou-se o mundo dos ódios. Cada manifestação, cada palavra proferida em redes sociais deve ser pensada e pesada, pois é gigantesco o potencial de gerar convulsões públicas e danos reais à sociedade. As polarizações criadas no domínio internacional também são refletidas em menor escala, descendo ao âmbito de um pequeno Município no interior do Estado do Pará. O cuidado mútuo (care) é um valor crescente no espectro político internacional e se manifesta em um dever cogente, ou seja, é imposto a todas as pessoas.

Não se trata de um mero plano de lançar ovos na direção de um Governador de Estado ou de mera expressão de opinião política; trata-se de evitar convulsões entre pessoas reunidas em ato público e com grande risco de desordens e tumultos que possam gerar lesões corporais e, inclusive, mortes.

Logo, com fundamento em tais premissas e no quanto disposto no artigo 312, do Código de Processo Penal, decreto a prisão preventiva de SIMIÃO NOGUEIRA DE MORAES, JOSICLEISON DO NASCIMENTO SILVA e HERLEN ULISSES BATISTA GARCIA, com o propósito de resguardar a ordem pública.

Expeça-se o necessário.

Cumpra-se em caráter de urgência e em regime de plantão judiciário, se necessário.

Tucuruí, 19 de Maio de 2021.

PEDRO ENRICO DE OLIVEIRA

Juiz de Direito Titular da Vara Criminal da Comarca de Tucuruí

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