A cidade de Tucuruí
amanheceu agitada. Ou melhor, pegando fogo político. Tudo em razão da visita,
hoje, do governador Helder Barbalho, que deve inaugurar obras nos setores de
segurança e infraestrutura no município. Como no mundo político não existe
unanimidade, alguns munícipes – identificados como Simião Nogueira de Moraes,
Josicleison do Nascimento Silva e Herlen Ulisses Batista Garcia – estariam
programando manifestação de protesto contra o governador.
De bate pronto, o
delegado local, Rommel Felipe de Souza, não pensou duas vezes e pediu à Justiça
a prisão do trio, no que foi prontamente atendido pelo juiz da comarca, Enrico
de Oliveira.
Segundo o delegado, “a
inteligência da Polícia Civil identificou associação criminosa que tem
praticado diversos crimes contra a honra do governador e de outras autoridades
públicas que participarão do evento, apontando para a provável ocorrência de
confrontos entre os representados e os populares que ali estarão presentes”.
A argumentação do
delegado ainda sustenta que os “representados estão se organizando para
praticar novos crimes contra a honra e a integridade física das pessoas que
participarão ativamente das solenidades por meio de arremesso de ovos”.
O juiz Pedro Enrico de
Oliveira concordou com o delegado e enfatiza num trecho em que decreta a prisão
preventiva: “O presente caso requer pronta resposta do Estado, por meio do
Poder Judiciário, pois se trata do resguardo da segurança pública e da proteção
das pessoas que participarão de solenidades públicas previstas para o dia 20 de
Maio de 2021, neste Município de Tucuruí, pois as provas acostadas aos autos
são verossímeis o bastante para sustentar a existência certa do fumus comissi
delicti, restando caracterizado o periculum libertatis dos representados.
Satisfeitas, pois, as condições processuais para a tomada de decisão de
natureza constritiva”.
E mais: “O mundo
pós-contemporâneo, este império da pós-verdade, tornou-se o mundo dos ódios.
Cada manifestação, cada palavra proferida em redes sociais deve ser pensada e
pesada, pois é gigantesco o potencial de gerar convulsões públicas e danos
reais à sociedade. As polarizações criadas no domínio internacional também são
refletidas em menor escala, descendo ao âmbito de um pequeno Município no
interior do Estado do Pará. O cuidado mútuo (care) é um valor crescente no espectro
político internacional e se manifesta em um dever cogente, ou seja, é imposto a
todas as pessoas. Não se trata de um mero plano de lançar ovos na direção de um
Governador de Estado ou de mera expressão de opinião política; trata-se de
evitar convulsões entre pessoas reunidas em ato público e com grande risco de
desordens e tumultos que possam gerar lesões corporais e, inclusive, mortes”.
Essa moda do delegado de
restringir manifestações de pensamento consagradas pela democracia e do juiz em
acatá-las pegar pelo pais afora….
Veja a íntegra da decisão
judicial:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO PARÁ
Vara Criminal de Tucuruí
PROCESSO:
0801715-59.2021.8.14.0061
Nome: DELEGACIA DE
POLÍCIA CIVIL DE TUCURUI
Endereço: Rua Trinta e Um
de Março, S/N, Santa Isabel, TUCURUí – PA – CEP: 68456-110
Nome: SIMIAO NOGUEIRA DE
MORAES
Endereço: Rua D, 440,
Jardim Paraíso, TUCURUí – PA – CEP: 68458-120
Nome: JOSICLEISON DO
NASCIMENTO SILVA
Endereço: Travessa
Raimundo Ribeiro de Souza, 01, Santa Isabel, TUCURUí – PA – CEP: 68456-180
Nome: HERLEN ULISSES
BATISTA GARCIA
Endereço: Rua Jacinto
Ramos, 588, Matinha, TUCURUí – PA – CEP: 68458-570
ID:
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.
O Delegado de Polícia
Civil Dr. Rommel Felipe Oliveira de Souza, Superintendente
Regional do Lago de Tucuruí, representou pelas prisões preventivas de SIMIÃO NOGUEIRA DE MORAES, JOSICLEISON DO NASCIMENTO SILVA e HERLEN ULISSES BATISTA GARCIA, sustentando, em síntese, que: No dia de amanhã, 20 de Maio de 2021, ocorrerão atos de natureza político institucional em diversos locais da cidade, promovidos pelo Município de Tucuruí em parceria com o Governo do Estado do Pará; Tais atos produzirão efeitos benéficos para a comunidade, nos setores de infraestrutura e de segurança pública; Os eventos serão acompanhados pela população em geral e contarão com a presença de diversas autoridades públicas, tais como Prefeitos Municipais de Municípios vizinhos e do Governador do Estado do Pará, o senhor Helder Zahluth Barbalho;
Na esteira de tais
eventos, a atuação de inteligência da Polícia Civil identificou associação
criminosa que tem praticado diversos crimes contra a honra do Governador do
Estado do Pará e de outras autoridades públicas que participarão do evento,
apontando para a provável ocorrência de confrontos entre os representados e os
populares que ali estarão presentes; Os representados estão se organizando para
praticar novos crimes contra a honra e contra a integridade física das pessoas
que participarão ativamente das solenidades, por meio de arremesso de ovos.
O Delegado de Polícia
Civil representante sustenta em suas razões que o pedido formulado não trata de
tolhimento ao direito de liberdade de expressão ou de livre associação, mas de
resguardo à ordem pública. Fundamenta as suas razões e comprova os fatos pela
juntada de diversos áudios e transcrições de áudios que circularam em
aplicativos de conversas instantâneas e redes sociais, o que tem provocado a
desestabilidade da ordem pública e o risco de cancelamento das solenidades,
violando o direito constitucional dos demais cidadãos de se reunirem
pacificamente para eventos públicos.
Fundado em tais
episódios, postula pela prisão preventiva dos representados, argumentando,
finalmente, que o ato constritivo é necessário para a manutenção da ordem
pública. Ao tempo em que formula tal pleito, indicia-os formalmente pela
prática dos crimes de constrangimento ilegal e de associação criminosa, ambos
previstos, respectivamente, nos artigos 146 e 288, do Código Penal. Considerando
a urgência que a hipótese vertente demanda e os riscos de danos que podem ser
gerados ante a demora da prestação jurisdicional, deixo de remeter os autos ao
Ministério Público para manifestação.
Decido.
O presente feito trata do
indiciamento formal de SIMIÃO NOGUEIRA DE MORAES, JOSICLEISON DO NASCIMENTO
SILVA e HERLEN ULISSES BATISTA GARCIA, pelas práticas dos crimes de
constrangimento ilegal e de associação criminosa (artigos 146 e 288, do Código
Penal), com a consequente representação por suas prisões preventivas, como
medida necessária para o resguardo da ordem pública.
No que importa às provas
acostadas aos autos, os áudios e as suas respectivas transcrições constantes
dos eventos ID 27001499, ID 27001500, ID 27001503, ID 27001504, ID 27001505 e
ID 27001509 não indicam de forma substancial a prática de condutas típicas;
retratam tão somente a emissão de opiniões de natureza política, meras críticas
ao Governador do Estado do Pará, pessoa pública e sujeita a tais opiniões
negativas, com o uso de vocábulos característicos e jocosos, nada havendo a se
considerar negativamente.
Contudo, ao analisar as
provas constantes dos eventos ID 27001501, ID 27001502, ID 27001506 e ID
27001507, denoto existir a associação dos representados para a prática de
crimes nas solenidades informadas pela Autoridade Policial representante, o que
pode gerar, notoriamente, o desassossego da paz e da ordem públicas, sendo
ainda possível prever que, de tais condutas ora planejadas, danos mais graves
possam resultar para a população presente e para as demais autoridades públicas
que do evento tomarão parte.
Despiciendo, neste
instante processual, analisar o indiciamento formal pela prática do crime de
constrangimento ilegal, todavia, no que importa ao indiciamento formal pela
prática do crime de associação criminosa, este é substancial para a prolação de
decisão que culmine na prisão preventiva dos representados. Assim, acerca
deste, o Direito Penal já pacificou o entendimento doutrinário e
jurisprudencial para classificá-lo como crime formal, ou seja, não é necessária
a ocorrência de um resultado naturalístico para a consumação do crime de
associação criminosa, embora este, o resultado que provoca alteração no mundo
exterior, seja possível. Diz-se, aqui, apenas em resultado jurídico.
Ademais, o crime previsto
no artigo 288, do Código Penal, é de perigo abstrato, não sendo necessária a
prova de que houve perigo de dano concreto ao bem jurídico, senão a mera
previsão legal da presunção do perigo. Ora, se o legislador fez nascer no
ordenamento jurídico o crime de associação criminosa, com as características dogmáticas
que lhes são inerentes, por óbvio, possuía o firme propósito de se adiantar à
ocorrência do resultado material almejado pelos agentes e de resguardar a
incolumidade pública, por meio da proteção do bem jurídico.
Nesta senda, é
absolutamente razoável a decretação de custódia preventiva para a hipótese de
os agentes associados estarem a planejar, comprovadamente, a prática de crimes,
pois não produziria efeitos pragmáticos a aplicação do Direito Penal e do
Direito Processual Penal após a produção dos efeitos esperados pelos agentes. O
ordenamento jurídico se apresentaria inócuo, inofensivo, ineficaz e desprovido
de força; a teoria da proteção do bem jurídico, na forma postulada por Birnbaum
no século XIX, não possuiria o caráter dogmático que deveras possui.
O presente caso requer
pronta resposta do Estado, por meio do Poder Judiciário, pois se trata do
resguardo da segurança pública e da proteção das pessoas que participarão de
solenidades públicas previstas para o dia 20 de Maio de 2021, neste Município
de Tucuruí, pois as provas acostadas aos autos são verossímeis o bastante para
sustentar a existência certa do fumus comissi delicti, restando caracterizado o
periculum libertatis dos representados. Satisfeitas, pois, as condições
processuais para a tomada de decisão de natureza constritiva.
O mundo
pós-contemporâneo, este império da pós-verdade, tornou-se o mundo dos ódios.
Cada manifestação, cada palavra proferida em redes sociais deve ser pensada e
pesada, pois é gigantesco o potencial de gerar convulsões públicas e danos
reais à sociedade. As polarizações criadas no domínio internacional também são
refletidas em menor escala, descendo ao âmbito de um pequeno Município no
interior do Estado do Pará. O cuidado mútuo (care) é um valor crescente no espectro
político internacional e se manifesta em um dever cogente, ou seja, é imposto a
todas as pessoas.
Não se trata de um mero
plano de lançar ovos na direção de um Governador de Estado ou de mera expressão
de opinião política; trata-se de evitar convulsões entre pessoas reunidas em
ato público e com grande risco de desordens e tumultos que possam gerar lesões
corporais e, inclusive, mortes.
Logo, com fundamento em
tais premissas e no quanto disposto no artigo 312, do Código de Processo Penal,
decreto a prisão preventiva de SIMIÃO NOGUEIRA DE MORAES, JOSICLEISON DO
NASCIMENTO SILVA e HERLEN ULISSES BATISTA GARCIA, com o propósito de resguardar
a ordem pública.
Expeça-se o necessário.
Cumpra-se em caráter de
urgência e em regime de plantão judiciário, se necessário.
Tucuruí, 19 de Maio de
2021.
PEDRO ENRICO DE OLIVEIRA
Juiz de Direito Titular
da Vara Criminal da Comarca de Tucuruí
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