COVID-19: As políticas econômicas e
sociais irresponsáveis do Brasil colocam milhões de vidas em risco, dizem
especialistas da ONU
Relatores recomendam que Brasil acabe
imediatamente com políticas de austeridade, como o Teto de Gastos, e aumente o
investimento no combate à desigualdade para que seja possível enfrentar a
pandemia
GENEBRA (29 de abril de 2020) - Dois
especialistas em direitos humanos da ONU disseram que o Brasil deveria
abandonar imediatamente políticas de austeridade mal orientadas que estão
colocando vidas em risco e aumentar os gastos para combater a desigualdade e a
pobreza exacerbada pela pandemia da COVID-19.
“A epidemia da COVID-19 ampliou os
impactos adversos de uma emenda constitucional de 2016 que limitou os gastos
públicos no Brasil por 20 anos”, disse o especialista independente em direitos
humanos e dívida externa, Juan Pablo Bohoslavsky, e o Relator Especial sobre
pobreza extrema, Philip Alston. “Os efeitos são agora dramaticamente visíveis
na crise atual”.
Os especialistas observaram que, por
exemplo, apenas 10% dos municípios brasileiros possuem leitos de terapia
intensiva e o Sistema Único de Saúde não tem nem a metade do número de leitos
hospitalares recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
“Os cortes de financiamento governamentais
violaram os padrões internacionais de direitos humanos, inclusive na educação,
moradia, alimentação, água e saneamento e igualdade de gênero”, afirmaram.
“O sistema de saúde enfraquecido não está
sobrecarregado e está colocando em risco dos direitos à vida e a saúde de
milhões de brasileiros que estão seriamente em risco. Já é hora de revogar a
Emenda Constitucional 95 e outras medidas de austeridade contrárias ao direito
internacional dos direitos humanos”.
Especialistas em direitos humanos da ONU
expressaram repetidamente a preocupação de que a política brasileira estava
priorizando a economia sobre a vida das pessoas.
“Em 2018, pedimos ao Brasil que reconsiderasse
seu programa de austeridade econômica e colocasse os direitos humanos no centro
de suas políticas econômicas”, disseram. “Também expressamos preocupações
específicas sobre os mais atingidos, particularmente mulheres e crianças
vivendo em situação de pobreza, afrodescendentes, populações rurais e pessoas
residindo em assentamentos informais “.
Os especialistas condenaram a política de
colocar a “economia acima da vida”, apesar das recomendações de direitos
humanos e da Organização Mundial da Saúde. “Economia para quem?”, perguntaram
eles. “Não pode se permitir colocar em risco a saúde e a vida da população,
inclusive dos trabalhadores da saúde, pelos interesses financeiros de uns
poucos”, ressaltaram. “Quem será responsabilizado quando as pessoas morrerem
por decisões políticas que vão contra a ciência e o aconselhamento médico
especializado?”.
O Brasil tem feito vários esforços
louváveis, eles observaram. “A renda básica emergencial, bem como a
implementação das diretrizes de distanciamento social das autoridades
subnacionais, são medidas de salvamento de vidas que são bem-vindas. No
entanto, é preciso fazer mais”.
“Em uma recente declaração e carta aos
governos e instituições financeiras internacionais, eu forneci recomendações
econômicas, fiscais e tributarias concretas”, disse Bohoslavsky.
“A COVID-19 crise deve ser uma
oportunidade para os Estados repensarem suas prioridades, por exemplo,
introduzindo e melhorando os sistemas universais de saúde e proteção social,
bem como implementando reformas tributárias progressivas, disseram os
especialistas da ONU.
“Os Estados de todo o mundo devem
construir um futuro melhor para suas populações, e não valas comuns”.
A declaração dos especialistas foi
endossada pelo Sr. Léo Heller, Relator Especial sobre os direitos humanos à
água potável e saneamento; Sra. Hilal Elver, Relatora Especial sobre o direito
à alimentação, Sra. Leilani Farha, Relatora Especial sobre o direito à moradia
adequada, Sr. Dainius Pūras, Relatora Especial sobre o direito à saúde física e
mental; Sra. Koumbou Boly Barry, Relatora Especial sobre o direito à educação,
e o Grupo de Trabalho sobre discriminação contra mulheres e meninas: Meskerem
Geset Techane (Presidente), Elizabeth Broderick (Vice-Presidente), Alda Facio,
Ivana Radačić, e Melissa Upreti.
Senhor Juan Pablo Bohoslavsky (Argentina)
foi nomeado especialista independente da ONU sobre os efeitos da dívida externa
nos direitos humanos pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 8
de maio de 2014.
Senhor Philip Alston (Austrália) assumiu
suas funções como relator especial sobre pobreza extrema e direitos humanos em
junho de 2014.
Os peritos independentes fazem parte do
que se conhece como procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos.
Procedimentos Especiais, o maior corpo de especialistas independentes no
sistema de direitos humanos das Nações Unidas, é o nome atribuído aos
mecanismos de inquérito e monitoramento independentes do Conselho, que trabalha
sobre situações específicas de cada país ou questões temáticas em todas as
partes do mundo. Os especialistas dos Procedimentos Especiais trabalham a
título voluntário; eles não são funcionários da ONU e não recebem um salário
pelo seu trabalho. São independentes de qualquer governo ou organização e prestam
serviços em caráter individual.
Austeridade no contexto de pandemia
No mês de março (17/03), um grupo de
entidades de direitos humanos, entre as quais a Plataforma Dhesca Brasil,
entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal pela suspensão imediata da
EC 95/16. No documento, as organizações
alegam que a pandemia chega ao país em um contexto de extrema fragilização das
políticas sociais e de aumento da pobreza da população, e que seus efeitos vão
ultrapassar 2020.
No início de abril (13/04), as
organizações lançaram um alerta sobre a absurda priorização do mercado em
detrimento dos investimentos sociais na PEC do Orçamento de Guerra, que está em
tramitação no Congresso.
A derrubada do Teto de Gastos foi também
recomendada por uma pesquisa orçamentária conduzida pelo Instituto de Estudos
Socioeconômicos (INESC). A partir da análise do orçamento público, a pesquisa
mostra que as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda
Constitucional 95 reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a
população mais vulnerável, deixando o Brasil sem imunidade para enfrentar a
pandemia.
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